9/28/2004

AINDA A PROPÓSITO DA BARRACADA DA COLOCAÇÃO DE PROFESSORES...

Uma professora de história da minha filha escreveu num teste que "o que fizeste está certo, o que deixaste por fazer está errado".
Quando fui buscar as notas da minha filha e quis saber por que motivo não ficou retida uma colega muitíssimo pior do que ela e que só obteve níveis abaixo de 3 até ao 2º período, foi-me dito que era porque "Estamos todos fartos de a ver cá".
O único incentivo que a minha filha tem para estudar, face a isto, é saber que se for aparecendo e dando cabo da cabeça dos professores, um dia eles ficarão "fartos de a ver lá" e ela passará.
Uma professora que quis fazer uma visita de estudo a um local cujo site na net pede que nesses caso se envie um mail com o dia, a hora e o número de alunos, escreveu somente qualquer coisa como "11,14:30,26" e ainda ficou ofendida quando lhe telefonaram a perguntar o que era aquilo.
Conheço uma professora que mandou os alunos destruir as casas de banho da escola porque estava zangada com a Câmara Municipal.
Conheço uma professora que quis concorrer com os alunos a um concurso de desenho e, como não percebia o que queria dizer anónimo nem pseudónimo, achou que os nomes falsos com que os alunos concorriam (como por exemplo chocolate) correspondiam ao prémio que iriam receber.
Conheço uma professora de português que escreve laser em vez de lazer.
Conheço uma professora de geografia que escreve extinsão em vez de extinção.
Ambas não perdoaram aos alunos que tiveram a ousadia de as chamar à atenção.
Quase todos os professores que conheço se recusam a ir, ou vão contrafeitos, à sua escola naquilo a que eles chamam de "dia livre". Para quem não sabe o dia livre é um dia útil como qualquer outro com a única diferença que o professor não tem, nesse dia, tempos lectivos no horário.
Quando eu estive a dar aulas numa escola secundária e as aulas acabaram, era preciso ir vigiar os exames. Isso corresponde a duas ou três horas de trabalho num dia. Mesmo assim era comum ouvir os colegas queixarem-se que estavam a trabalhar nas férias. Para todos os efeitos eles ainda não estavam de férias, apenas lhes apetecia estar, como a qualquer mortal.
Quando eu estive a dar aulas no ensino recorrente tive colegas que me ensinaram a técnica do "tratá-los abaixo de cão para eles desistirem depressa e nós ficarmos a ganhar sem fazer nenhum".
Quando eu era professora todos os colegas se queixavam daqueles dias infindáveis de reuniões e atendimento de pais no final dos períodos, mas nunca referiam que a seguir iam para casa e só reapareciam no fim da interrupção lectiva.
Quase todos os professores que conheço se queixam que não deveriam fazer matrículas porque isso é serviço administrativo, quando cada vez menos se admite essa coisa obsoleta de repartição estanque de tarefas. Além de todos os técnicos superiores da função pública terem que fazer algum serviço administrativo, esse é na verdade um bom argumento para não se fazer mais nada do que o serviço lectivo e estar assim mais tempo "de férias".
O que os professores sabem fazer melhor (salvo poucas e honrosas excepções) é queixar-se. Até deveriam instalar muros de lamentações nas salas de professores de todas as escolas. Já sabemos que andam longos anos contratados e a mudar de terra e que isso está mal. Já sabemos que as suas vidas são recheadas de instabilidade e que isso está mal. Já sabemos que aturam canalha brava, mas isso todos aturamos, só que de diferentes idades. O resto é fait-divers.
Num dos anos em que estive a dar aulas fiquei colocada numa escola onde era preciso um professor de alemão e eu não posso leccionar alemão... mas posso candidatar-me no grupo de alemão. Os alunos tiveram que desistir do alemão nesse ano e iniciar o inglês porque os chamados grupos de docência estão obsoletos e nada têm a ver com a actual formação das pessoas. Foi mau para eles e mau para mim que não tinha culpa e nada podia fazer.
Os professores, ao contrário de todos os outros funcionários do estado (mal ou bem), não são avaliados, para além de uns relatórios proforma que têm que fazer e que até copiam de uns anos para os outros mudando só os campos. Será que se houvesse avaliação a sério, aquela professora de que falei ainda escreveria laser? É só uma pergunta.
Há professores competentes, conscientes e trabalhadores. Só que esses acabam por ser engolidos por um sistema mau que não lhes permite fazer um trabalho digno e sério.
Os livros escolares são caríssimos e em muito maior quantidade do que qualidade, obedecendo apenas a uma lógica de mercado e ignorando valores como a necessidade básica de escolarizar os cidadãos para construir um país competitivo. Já tive um livro, quando dei aulas de português, que num exercício mandava pôr acento na palavra melancia... e outras preciosidades.

O sistema educativo português e as pessoas que dele fazem parte estão imbuídas de muitos complexos de esquerda que, passados 30 anos, já não fazem sentido. Recusa-se a competição saudável ainda com medo do malfadado quadro de honra do tempo do velhinho Salazar. Os princípios de igualdade são cinzentos e nem sequer funcionam na prática porque todos sabemos que há escolas e escolas, alunos e alunos.
A mudança necessária no sistema educativo era profundíssima e ia muito para além da substituição de um sistema informático por outro. Os nossos governantes, de forma arrogante e sobretudo inconsciente e ignorante, olharam-se ao espelho e viram-se coroados de uma aura de brilhantismo que lhes indicou serem eles os escolhidos para resolver os problemas da educação. Caíram por terra junto com as suas teorias iluminadas e com eles caímos todos. Portugal, um país supostamente democrático e evoluído, está a passar a maior vergonha de todos os tempos, não conseguindo sequer pôr as escolas a funcionar quase um mês depois do previsto.
Tínhamos o mau. Agora temos o incrivelmente mau.

Confesso que andava há muito para escrever este post e evitei sempre por dois motivos. Por um lado, muita gente não irá ler porque é comprido e não é ligeiro como habitualmente. Por outro lado, tenho a certeza que muitos dos que o lerem vão ficar muito desagradados. Está arreigado na nossa cultura e na nossa maneira de ser culpar sempre só o poder instituído de tudo o que acontece. Nós, "os pequenos", somos sempre vítimas (leia-se inimputáveis).

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