1/27/2004

Um cabaret de pernas para o ar

Só fui duas vezes a sítios destes, e ambos já depois de ter ultrapassado os 50% daquela que é, segundo as implacáveis estatísticas, a esperança de vida média duma mulher portuguesa. Já para o tarde portanto.
Em ambas entrei com a sensação de alien acabado de aterrar no globo terrestre e saída directamente da nave para ali. Acompanhada dum terráqueo habituado às andanças(do mal o menos).
Na primeira deparei com um cantinho no meio de nada onde umas senhoras roliças e de avental aos folhinhos, a fazer lembrar os abat-jours que se vendem nas lojas de chinês, nos indicavam simpaticamente uma mesa e nos punham um menu à frente. Era Verão. Muitos estrangeiros levados pelos folhetos das agências de viagens.
A segunda experiência foi mais recente e o local era mais requintado. O empregado ajudava-nos a tirar o casaco, ajustava-nos a cadeira e servia-nos o vinho (e pelos preços que praticam deviam ir connosco à casa de banho e ajudar-nos a fazer a higiene sumária, mas com a língua). Adiante.
Quer num quer no outro local de que falo, apercebi-me de que não estava num simples restaurante. Estava num templo, num local de culto. Um local onde se bebe o vinho e se come o pão em comunidade, de uma forma ao mesmo tempo religiosa e pagã. Um local onde a forma intimista como se baixa a intensidade da luz e consequentemente a intensidade do som, indica que se vai proceder ao ritual de fazer amor.
É uma forma de viver e de estar e de se relacionar com os locais e as pessoas que se ama. Onde a pretexto de se cantar o amor ausente e a saudade se acaricia ao de leve a tristeza e ao mesmo tempo se enaltece a vida.
Ao contrário do que pensei (eu, mulher do norte, habituada ao som agreste do mar e das gaivotas - outra vez elas), gostei da experiência. Se isso tem ou não a ver com o facto de em ambas as vezes ter estado acompanhada da pessoa que amo profundamente não sei, mas desconfio que sim. Ou talvez não totalmente.
Ah! Estou a falar de casas de fados, o título roubei-o a José Gomes Ferreira que o usou no livro O Mundo dos Outros.

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