COMO SE CONFUNDE O 25 DE ABRIL COM O FESTIVAL DA CANÇÃO
Quando eu era uma chavalita acabada de sair do exame da quarta havia montes de coisas que me faziam uma confusão do caraças. Nomeadamente:
1. Porque é que Portugal ficava sempre em último no Festival da Eurovisão.
2. Porque é que os adultos comentavam que era por causa da política se aquilo era só um concurso de cançonetas.
3. Porque é que estas coisas aconteciam quando afinal nós até éramos os maiores do mundo, tínhamos um império e qualquer criatura do planeta, preta, branca ou amarela, que falasse qualquer língua, se curvava logo em profunda vénia mal ouvisse pronunciar o nome do Camões, do Infante D. Henrique ou do Vasco da Gama. Esta parte era mentira só que como me tinham enganado na escola eu pensava que era verdade, do you follow?
Ora veio então a dar-se o caso que num belo dia de primavera, apanhei os crescidos em grande algazarra, como se tivesse chegado o dia do juízo final ou qualquer coisa ainda pior. Perguntei o que se passava e a minha mãe respondeu com um ar entre o apavorado e o esfusiante:
- Houve um golpe de estado!
Eu fiquei na mesma.
- Pois mãe. Mas o que é um golpe de estado?
- Quer dizer que mudou a política! Deitaram o governo abaixo! Há uma revolução!
Esta última palavra que eu nunca tinha ouvido também me foi indiferente, mas o resto percebi mais ou menos. Os meus neurónios fizeram então um exercício sumário de associação de ideias que durou apenas alguns segundos e atirei para o ar a minha brilhante conclusão:
- Então quer dizer que este ano o Paulo de Carvalho não vai ficar em último no festival da canção certo?
- Porquê? Que estás tu para aí a dizer rapariga?!
- Então não mudou a política? Vocês é que diziam sempre que era por causa da política!
Ganharam os ABBA.
Este foi o meu primeiro grande remate ao poste a seguir ao 25 de Abril. Mas toda a gente mandou ao lado nessa altura, não fui só eu. Eu é que até tinha desculpa porque era pita.
De resto houve quem pensasse as coisas mais disparatadas: Que toda a gente que tinha lugares de destaque na economia, na cultura ou nos mais diversos campos era inimigo a abater; que só deveria merecer o epíteto de trabalhador quem fosse operário ou camponês; que para comer era preciso semear a terra quando havia montes de gente que o mais que tinha era uma varanda com uns vasos de salsa, etc etc etc ...
Mas também foi nessa altura que toda a gente acreditou em alguma coisa, que os corações bateram com as paixões, que o sangue corria nas veias das pessoas como rios.
Fez-se e disse-se muito disparate, mas todos fazemos quando estamos a crescer. Tem que ser. É assim que se cresce.
Eu continuo a acreditar que valeu a pena e que é um privilégio ter vivido este grande momento, há 30 anos.
Margarida Espantada
Há 1 semana
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