Houve uma fase na minha vida em que tinha por hábito ler livros inteiros duma assentada durante a noite. A noite altera a nossa percepção das coisas e talvez por isso este hábito foi-se transformando num vício. Eu devia ter uns 12 a 14 anos e os livros que lia não eram, decididamente, destinados a essa idade, o que só servia para acentuar o interesse daquela actividade nocturna.
Lembro-me de ter lido nessa altura O Último Tango em Paris. Completamente incrédula, lia as passagens "proibidas" de um fôlego, quase sem respirar e com a cara muito quente. Quando acabava cada uma delas voltava atrás e lia de novo, a tentar acreditar que alguém escrevera aquilo e mais ainda, a tentar acreditar que era possível alguém pensar aquilo. No dia seguinte tive Francês às oito e meia mas como ainda estava entorpecida pela visão da cena da manteiga passei a aula toda sem conseguir pensar noutra coisa. A professora nada sabia e achou que me tinha acontecido algo estranho. Na verdade eu só estava a olhar para ela (era a primeira adulta que via após a experiência) e a tentar adivinhar: "Será que esta também faz aquelas coisas nojentas?"
Quando li os dois extensíssimos volumes de Zora a Ruiva, sobre um grupo de adolescentes órfãos que roubava pão e galinhas para sobreviver chorei tanto, mas tanto, que na manhã seguinte havia um mar de lenços brancos de papel à volta da minha cama e os meus olhos estavam inchados. Ainda tentei lavá-los com água muito fria mas tive que ir para a escola mesmo assim.
A experiência que recordo com o maior sorriso, no entanto, foi a de ter lido O Exorcista. Com o evoluir da história fui entrando naquele mundo terrível e quando já não conseguia sair, no silêncio da noite, qualquer pequeno ruído mesmo imperceptível era uma ameaça. Estive literalmente petrificada de medo até amanhecer, altura em que finalmente consegui levantar-me e ir à casa de banho.
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