Desde miúda que me lembro de gostar de línguas (aqui pede-se aos clientes que não façam trocadilhos óbvios entre língua-músculo e língua-código linguístico). De gostar de as ouvir sem perceber patavina, de gostar de ler histórias infantis em francês que parentes emigrantes me traziam de Paris, as letras em inglês nas capas dos LP’s, como quem tenta decifrar segredos. Já no ciclo e depois no liceu era com alguma contrariedade que disfarçava o entusiasmo genuíno que me causavam as aulas de francês, depois as de inglês e finalmente as de alemão. Disfarçar, claro, porque ditavam os códigos ocultos dos adolescentes (e penso que ainda ditam) que quem gostar de aulas é mongo e terá que ser afastado do grupo por insuficiência de provas dadas. Saí-me bem. Ninguém desconfiou nunca.
Desde muito cedo desenvolvi também uma sensibilidade auditiva que me permitia distinguir umas das outras, línguas que não conhecia e que habitualmente se confundem, espanhol de espanha de espanhol sul-americano, chinês de japonês, holandês de flamengo e de frísio e por aí fora. Comecei a classificar as línguas segundo um método próprio e rigorosamente científico e ainda me lembro de algumas dessas classificações, que não eram mais do que o resultado das imagens que a audição de cada fonética despertava na minha imaginação:
ESPANHOL: Muitos ésses de sopinha de massa mas também muitos is antes de outras vogais. O espanhol ouve-se em preto. Os espanhóis devem morar todos em aldeias.
INGLÊS: Fala-se a enrolar a língua toda como se estivesse a mascar uma embalagem inteira de super-gorilas. É cor de sorvete de morango.
FRANCÊS: Tem que se pôr a boca a fazer biquinho como quando se está a querer ser mimado. Os érres saem da garganta. É azul.
GALEGO: Tem que se pôr xis em tudo. É como se fosse um português a falar mal. Também moram todos em aldeias.
ITALIANO: Só se pode falar a gritar como se estivessem sempre zangados e leva muitos is no fim das palavras. Os érres saem do céu da boca.
CHINÊS: Parece que ficam sem ar e não acabam as palavras, como se tivessem uma dor no peito. Não dizem érres. É verde.
JAPONÊS: Tem muitas sílabas pequeninas com muitos érres saídos do céu da boca como os italianos e com muitos tês. Fala-se muito depressa. O japonês é escuro.
RUSSO: Tem muitos nhes e nhus. Os érres dizem-se com muita força. Vê-se bem que passam frio.
HOLANDÊS: Como os cães a ladrar.
ALEMÃO: Tem muitos Aiss e fala-se como se se tivesse uma bebida muito quente na boca. É branco.
ÁRABE: Também parecem cães a ladrar mas o som sai directamente da garganta.
E vocês? Nunca tiveram pancas destas? Não?! Nem piores?!
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