4/04/2005

DA EDUCAÇÃO DAS MOÇAS

Era uma vez um rei que tinha uma filha para casar. Chamou todos os pretendentes e disse-lhes:
- Àquele de entre vós que conseguir fazer mover uma montanha darei a mão da minha filha.
Veio o primeiro pretendente e trouxe um exército maior que o número de estrelas que há no céu. Puxaram pela montanha em seus cavalos mas ela não se mexeu nem um milímetro. Veio o segundo pretendente e trouxe todas as poções mágicas que eram fabricadas no seu reino por mulheres que conheciam segredos e por isso eram chamadas de bruxas e os olhos dos outros viam-nas feias. A montanha não se moveu. Veio o terceiro pretendente e durante mil dias e mil noites cavou a montanha e transportou toda a terra para longe dali. Quando terminou foi ter com o rei que lhe disse:
- Mostraste que tens espírito de sacrifício, por isso dar-te-ei a mão da minha filha, que se encontra, sem nada saber, nos seus aposentos de cristal, no alto de uma torre muito alta, bordando a miosótis um pano de linho que chega para cobrir todos os castelos do mundo e penteando os seus cabelos longos tão dourados que o sol se envergonha de os ver.
O príncipe regozijou-se por ir desposar a princesa mais bela, que bordava os maiores panos e tinha os mais longos cabelos e nada sabia.
E diz-se que foram felizes para sempre.

Muitos anos mais tarde, já num tempo em que se fabricavam caixas que falavam e coches que não precisavam de ser puxados por cavalos, um homem muito importante e sério (que era o que nesse tempo se chamava às pessoas que voluntariamente renunciavam à felicidade) chamou os pretendentes da sua filha e disse-lhes:
- Àquele de entre vós que tiver o melhor emprego, a melhor conta bancária e a família mais respeitada por nela não haver ninguém que tenha demonstrado paixões, entregarei a mão da minha filha em casamento.
Veio o primeiro pretendente, que trabalhava num banco mas ia todos os dias a pé trabalhar. E o homem importante expulsou-o. Veio o segundo pretendente que era muito rico mas era filho duma mulher que conhecia o mundo e os homens e por isso era chamada de mulher de mau porte e a sua mão não tinha sido entregue a ninguém. E o homem importante expulsou-o. Veio o terceiro pretendente e era rico e tinha um emprego da cor dos dias tristes e pertencia a uma família em que nada acontecia. E o homem importante disse-lhe:
- De entre todos os pretendentes, és tu aquele que me dá as maiores garantias de nunca mais me importunar a preocupação de ter uma filha. Até hoje vigiei-a incessantemente para que nada soubesse nem nada lhe acontecesse que pudesse diminuir o seu valor de mercado, por isso deverás pagar um preço alto pela sua posse. Deverás casar numa igreja, viver na mesma casa e acasalar com ela pelo menos até que tenha filhos.
E diz-se que foram felizes para sempre.

Ainda alguns anos mais tarde, quando já se aproximava o fim dos tempos porque já se tinha feito e inventado tudo e nada mais havia para fazer ou inventar. Quando o valor de mercado se perdia tão depressa como logo a seguir se ganhava e se voltava a perder. Quando já ninguém acreditava em nada porque já se sabia que tudo era mentira... misteriosamente, sem ninguém perceber porquê... continuava isto.

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