4/05/2006

A SEGUNDA PARTICIPAÇÃO DA PADARIA NA V EDIÇÃO DO ESCRITOR FAMOSO


COMO DESCOBRI QUE OS BEIJOS DE CINEMA NÃO EXISTEM, por Rosarinho, a Menina do Caixa

Aqui

Na minha imaginação de adolescente flutuavam sempre cenas de beijos de cinema. Fechava os olhos para dormir e elas passavam à minha frente ininterruptamente: Cenas amputadas de todos os filmes de amor que eu já havia visto. Uma e outra e outra sem parar até ao fade out do sono.
E eu sonhava ser beijada como no cinema.
Queria um beijo grandioso, com a luz a incidir no ângulo exacto, a harmonia perfeita dos movimentos e o som maravilhoso das orquestras.
Queria que os anjos descessem e nos envolvessem na aura cintilante do amor mágico.
Queria um beijo limpo e etéreo para guardar toda a vida na moldura da memória.
Preparei-me para esse beijo como anos antes me tinha preparado para a primeira comunhão. Imaculadamente.
...
O eleito foi o colega mais velho da turma. Era bonito e penteado. E já tinha quase dezasseis anos feitos. As duas retenções seguidas no oitavo ano granjeavam-lhe injustamente o maior sucesso junto das raparigas. Claro que isso era mal passageiro, mas os restantes viviam entre a depressão e o desespero porque não sabiam que lhes bastava esperar algum tempo.
Faltámos a matemática e fomos para casa dele. Os pais não estavam, trabalhavam longe o bastante para garantir a segurança do momento. Irmãos não havia.
Ele indicou-me a direcção do quarto e eu entrei. Estava desarrumado. Havia roupa suja espalhada pelo chão, embalagens de donuts vazias e uma anarquia de folhas soltas já amareladas rodeava o computador. Fiquei decepcionada, não tanto porque esperasse da parte dele mais consideração pela minha presença mas pela inadequação do cenário à perfeição do momento.
Quando terminei estas considerações mentais e me fixei no seu olhar vi, pela primeira vez na minha vida, aquele brilho irracional que se nota no fundo dos olhos dos homens imediatamente antes do sexo. Ainda só conhecia esse brilho dos filmes de lobisomens, por isso fiquei assustada. Dei uma passo atrás. Ele avançou, empurrou-me para cima da cama e veio sobre mim como animal esfomeado. Gritei - “Não!” – e consegui afastá-lo. Fugi para junto da parede, o mais longe dele que consegui encontrar dentro daquele espaço confinado. Ele levantou-se de imediato e correu para mim encurralando-me com o seu corpo contra a parede – “Vieste, agora dás!” – e enquanto me manietava com uma das mãos, com a outra desapertava as calças tirando para fora um pedaço de carne esbranquiçado e entumecido que me causou repugnância. Lambeu-me o pescoço e a face e era mais nojento do que o doberman odioso da minha tia.
Reuni todas as minhas forças e fugi. Ele perseguiu-me até à porta de saída. Olhei para trás uma vez derradeira e vi-o de pé, bufando com um touro furioso e segurando as calças com a mão. Levantou os braços numa última tentativa de me agarrar e as calças não resistiram ao poder da gravidade, ficando recolhidas a seus pés. As pernas eram brancas e magras, aquele pedaço de carne continuava ali a apontar debaixo da t-shirt e a visão já não era, em definitivo, a do mais bonito rapaz da turma.
Hesitei entre sair e aproveitar a súbita fragilidade do caçador. Empurrei-o para trás.
Com os movimentos das pernas tolhidos pelas calças caídas, tentou equilibrar-se rodando velozmente os braços. No rosto tinha agora um ar assustado e o pénis balançava como aqueles bonecos ridículos que saem de caixas impulsionados por molas.
Senti-me nauseada e fechei a porta atrás de mim.
Aquela não era decididamente uma cena em que se pudesse fazer um fade out decente.

(Texto muito vagamente inspirado no filme "Cinema Paraíso" de Giuseppe Tornatore)

2 comentários:

Politikus disse...

O nosso primeiro beijo é das recordações que guardamos para a vida. Apesar de normalmente não correr da melhor forma. PS- O filme "Cinema Paraíso" é dos meus filme favoritos, tenho pena de apenas possuir o dvd da versão de TV. A versão de cinema tem outro final, outros actores em adultos e é lindaaaaa

Anónimo disse...

Fraquito...