4/18/2007

A EXTRAORDINÁRIA REVELAÇÃO DO BACALHAU


Quando a Didas era pequenina, mais ou menos da idade em que as crianças actuais começam a pedir para ir à discoteca à noite, apareceu uma colecção de cromos que, por absoluta falta de concorrência, fez um furor equivalente ao que alguns anos mais tarde faria o Dragon Ball.

Era uma colecção de cromos de animais, impressos a uma cor, e cada um deles embrulhava um rebuçado pegajoso que custava meio tostão, quantia absolutamente impossível de explicar às crianças hoje em dia por corresponder a qualquer coisa como o,o5 de cêntimo, logo, conceito demasiado abstracto. Antes de colar cada cromo, era necessário lambê-lo muito bem. Não porque tivesse cola como os selos de correio, por exemplo, mas porque regra geral se encontrava impregnado de açúcar derretido, o que exigia a operação prévia de limpeza. Depois, recortava-se para acertar os bordos de acordo com o espaço na caderneta, e finalmente colava-se com cola "Sino". Que era a que havia.Não imaginem os mais incautos que a caderneta se assemelhava às que hoje albergam tazos, super-tazos, mega-tazos e outros. Era um caderninho tamanho A6, agrafado ao meio e com uma capa cuja cor podia variar mas que tinha simplesmente a menção "Caderneta".

O cromo mais difícil de sair era o bacalhau. Todas as crianças compravam avidamente rebuçados de meio tostão na esperança vã de completarem uma das muitas colecções que já tinham quase cheias. Esta raridade conferiu inevitavelmente ao bacalhau o estatuto de mito. Nos recreios, os gabarolas contavam histórias mirabolantes sobre como tinham conseguido o cromo do bacalhau, que se encontrava em casa fechado a sete chaves até ao dia da revelação. Ninguém acreditava.

Até ao dia em que uma menina se abalançou na aventura arriscada de falsificar o cromo raro. Com desvelado empenho, a temerária conseguiu arranjar um quadradinho de papel de idêntica qualidade, lambeu-o como convinha para que nenhum pormenor falhasse, deixou-o secar e, com uma caneta de tinta permanente, desenhou o tão cobiçado peixe. No dia seguinte, entrou na escola em pose de herói da banda desenhada. Tinha o bacalhau! A criançada inteira rodeou-a de imediato numa excitação sem precedentes, mostra, mostra!

Ela, demorando-se propositadamente para prolongar a ânsia da fase preliminar, sacou do caderno de contas onde tinha guardado o tesouro e abriu-o. À vista de todas, descobriu-se a representação desenhada por ela própria do único bacalhau que já havia visto na sua curta vida: Aberto, seco e salgado.

8 comentários:

Daniela disse...

Ah! Ah! Ah!
Eu lembro-me de a minha mãe ter essas cadernetas guardadas,ela e o meu tio tinham umas 5 ou 6, mas em todas faltava o bacalhau.
Quanto à cola, usar Sino já era um luxo, por cá usavamos mesmo água e farinha!

São Rosas disse...

E ninguém se lembrou de cheirar o bacalhau?!...

Didas disse...

Lol Kika! Eu, farinha, é mais agora! :)))

Oh São, só tu te lembrarias disso...

saltapocinhas disse...

Ca burra!!
Podias ter desenhado o cabrito ou a lontra!
O meu marido está aqui ao lado a dizer que o dono da loja o deixava procurar os cromos e ele conseguia encher as cadernetas que depois de cheias valiam uma bola!
No meu tempo não me lembro se havia bolas porque não consegui nunca encher uma caderneta! (o senhor do café onde me aviava não devia ser subornável!)

Didas disse...

Primeiro: Não fui eu, lol!
Segundo: Já nesse tempo havia tráfico de influências e corrupção! A mim nunca me deixaram procurar os cromos! E depois votam no Salazar para melhor português, tá bem tá!... :)))

António Conceição disse...

Correcção a salta pocinhas: os carimbados, como lhes chamávamos na minha escola em Vila Nova de Gaia (aqueles que, rezava a lenda, só tinham um exemplar em cada frasco do merceeiro) eram o bacalhau, a cobaia e o cabrito. Não era a lontra.
Eu, pessoalmente, nunca sonhei ganhar uma bola com as "vitórias" (era o nome oficial desses rebuçados com direito a cromos). o meu sonho era ganhar um bicicleta no peditório anual para os tuberculosos. O cobiçado velocípede - anunciavam os boletins onde registávamos as ofertas - estava destinado ao aluno das escolas portuguesas que angariasse mais fundos. A ti Florípedes dava-me sempre 25 tostões e a ti Maria do padeiro 5 escudos. Eu imaginava-me a discutir o primeiro lugar.

saltapocinhas disse...

Claro Funes, tens razão!
Era a cobaia e o cabrito!
Lembro-me que cheguei a ter uma cobaia e fiquei desiludida porque afinal o bicho nem era nada de especial, parecia um simples coelho!! (eu achava que para ser carimbado tinha de ser um bicho mirabolante!!)

Didas disse...

Lol, e oo bacalhau? Uma vulgaridade!