O Bolinhas tinha esse nome e isso não o incomodava. A dona, septuagenária pouco dada a brilhantismos ou ideias originais, que fazia crochet pesado em linha 6 e arroz-doce mexido em lume brando, só conhecia esse nome para gatos. Ou Tareco. Calhou ser o primeiro.
Se o Bolinhas compreendesse a linguagem dos humanos, certamente teria gostado mais de se chamar outra coisa. Outro nome qualquer mais vibrante como Genghis Khan, Alexandre o Grande ou mesmo Hipólito. Mas não compreendia, por isso, a questão do nome termina por ora.
Acontece que apesar da parca dose de dedicação cerebral que a dona do Bolinhas pôs na atribuição do nome, o afecto entre ambos era de tamanho considerável e, nem ela se atrevia a pô-lo fora de casa, nem ele deixava de voltar de todas as vezes que se escapulia pela porta dos fundos.
À falta de atributos que lhe permitissem demonstrar de forma inequívoca a sua dedicação à dona, como a fala ou a escrita, o Bolinhas oferecia-lhe presentes. Todos os dias, à mesma hora, sem falhar, ele depositava no tapete de entrada da cozinha, que dava para o quintal, um ratinho morto, porém intacto. A renúncia voluntária ao petisco era a prova cabal da sua dedicação imensa.
Acontece que a dona, por um acaso não explicado nesta história pelo único motivo de a narradora não saber qual é, tinha pavor de ratos, mesmo dos já falecidos. Acresce referir que se tratava de um pavor maior do que o normal em quase todas as fêmeas da espécie humana. Era um horror que lhe provocava paragens de respiração, tremores e pânico absoluto.
E todos os dias, quando o Bolinhas depositava na entrada da cozinha o ratinho morto e se punha à espera que a dona abrisse a porta para receber o presente, sempre que ela desatava a gritar descontroladamente e só parava quando se lhe esvaíam as cores do rosto e desfalecia levemente como convém a uma senhora, na sua linguagem de gato, o Bolinhas, orgulhoso, pensava:
- Como ela está feliz!
E lá temos isto de novo!
Há 3 semanas
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