Eu tinha uns dez anos quando fomos convidados para um casamento na aldeia do meu avô paterno. Já não me lembro do nome nem ao certo onde fica, mas sei que era algures no Ribatejo. Uma aldeia muito pequena e muito pobre. Pobre mesmo, como eu, na minha curta experiência, nunca tinha visto. Tão pobre que só havia um vestido de noiva, que rodava por todas. A rebentar pelas costuras numas, a sobrar pano noutras. A cerimónia foi dum atavismo surreal, numa capela minúscula, e depois serviram-nos um almoço debaixo dum telheiro com mesas e bancos corridos, que eu achei "uma porcaria", mas comi e não disse nada porque já sabia que era má-educação dar a entender.
Eu já era "uma mulherzinha". Pelo menos era o que todos diziam. Por isso compreendi depressa qual o comportamento que de mim se esperava. Compreendi também que a generosidade daquelas pessoas pobres tinha que ser respeitada, e foi o que fiz.
Só uma dúvida intrigante ficou a martelar na minha cabeça: Porque diabo aquela gente pronunciava todas as palavras que tinham "v", mesmo com "v" e não com "b"? Porque eram tão presunçosos se, afinal, viviam vidas tão básicas?
Isto porque, para mim, vinda do norte, o "v" era uma letra que só se "carregava" em discursos oficiais ou em ocasiões especiais, como no exame da quarta. De resto, falava-se com "b", sob pena de se parecer um peneirento insuportável.
Depois explicaram-me que no sul era mesmo assim, que toda a gente dizia o "v" nas palavras que levavam o "v" escrito, e que isso para eles não era uma mania. E eu, de olhos muito abertos: - "A sério???!!!"
7 comentários:
só mais tarde aprendeste o que é o sotaque...
é que isto de trocar os v pelos b trata-se de um problema de sotaque, mais nada.
ridiculo mesmo é dizer "v" em vez de "b"!!
Essa do V em vez de b nem me fales. Apetece-me espancá-los!
Para além dessas questões metafísicas de sotaque (haviam de ir aos Açores para saberem!) que excelente post, Didas! Adoro estas recordações que não são apenas da «outra metade de Portugal» são de um Portugal que já não existe assim. Evidentemente que há miséria e muita, mas nós hoje imaginamos como essenciais, coisas que nem passavam pela cabeça, nem nos luxos mais exóticos, das pessoas desse tempo. Tanta gente a viver de subsídios e de reinserção social, e não dispensam um telemóvel... E se a roupa está rota deitam-na fóra. Etc.. Essa época de que falas afinal está ainda tão perto e já tão longe.
Voltando aos sotaques, que afinal o post era mais sobre isso. A mim fascina-me o contrário, como é de imaginar! E tenho uma dúvida: chega-se a usar o V?
E há uma nuance? Entre dizer «batatas» e «tu (v)biste aquilo?» o som é igual?
Como eu ia mais para o sul achavam-me peneirenta por dizer «ei» em vez de «ê> - (cadeira/cadêra, ou leite/lête). E é uma terra pequenina, heim...
Emiele! Claro que há uma diferença entre o b de baca e o b de burro! Isto é quase uma filosofia! :)
A minha avó era brasileira e foi um choque quando percebi que nas casas das outras pessoas ou nos restaurantes não se cobria a feijoada à portuguesa com farinha de pau torrada!
E eu que ainda não almocei! :)))
Enviar um comentário