4/25/2012

E apesar de tudo e tudo e tudo, 25 de Abril sempre!

Quando foi o 25 de Abril de 1974 eu tinha acabado de fazer onze anos sobre o planeta azul. Era boa aluna embora me metesse em alhadas de vez em quando e já tinha dito na escola que não queria ser da mocidade portuguesa nem morta. Não sabia bem porquê mas pelo menos o hino daquela coisa causava-me arrepios maiores do que quando tocava "O mar enrola na areia" no acordeão à força de levar com a cana nos dedos.
Nas escolas todas, não tardaram em explicar-nos o que significavam todas aquelas palavras que até aí não podiam ser usadas como "democracia", "fascismo" e "sindicalismo". Disseram-nos que ia passar a haver eleições para as pessoas poderem escolher quem iria mandar e isso pareceu-me bom. Apareceram vários partidos políticos e eu achei que o mais giro de todos era o PPD porque era cor-de-laranja e dizia que era social-democrata e eu pensei que era a querer fazer de Portugal uma coisa assim daquelas que há mais lá para o norte onde mesmo que um maluco pare numa ilha a matar pessoas ninguém se põe aos gritos e a desgrenhar-se à porta do tribunal. Era desses que eu queria ser. Aos onze anos. Depois fui para o liceu onde se consumia haxixe e outras porcarias que fazem rir e eu depressa me bandeei para o MRPP e comecei a usar umas botas com atacadores como as da tropa. Não sabia de todo o que andava a fazer mas pelo menos tudo passou a ser a cores e mais divertido (excepto a televisão que continuou a preto e branco até 1980). Todos, mas todos mesmo, acreditávamos no futuro. Claro que, como sempre nessa idade, a visão de nós próprios com mais de trinta anos de idade era uma coisa desfocada e quase irreal, mas acreditávamos que havíamos de ser felizes e não haveria pobres, nem chás de caridade, nem chavalos a ir para a escola descalços e sem terem comido nada, nem pessoas que iam chegar a adultas sem saber ler.O que ninguém nos disse foi que muitos anos mais tarde os portugueses continuariam a emigrar sem saber ler nem escrever para serem explorados como cidadãos lava-pratos apesar de já haver escolas por todo o lado. Que muitos se recusariam a aprender fosse o que fosse e se limitaria sempre a um vocabulário de 50 palavras das quais 40 fariam parte do léxico do futebol.  Também ninguém nos disse que muitos anos mais tarde continuaria a haver gente que andava na rua com palitos na boca e a escarrar no chão, boçais incapazes de distinguir uma carroça de bois duma nave espacial. Nem que muitos anos mais tarde a maior parte das pessoas andaria a tentar safar-se à custa da tal democracia. Como se diz em português, "desenrascar-se". Os menos capazes apenas com pequenos subsídios de invalidez e sobrevivência e mais o que fosse preciso para poder passar os dias na tasca a emborcar vinho tinto rasca e não fazer nada, os mais espertos da escola das jotas com grandes subvenções estatais e vencimentos de assessores que lhes permitissem ter grandes carros e apartamentos e contas offshore também sem fazer nada. E que seriam os restantes a pagar tudo isso. Outra coisa que nunca nos disseram foi que a tão aclamada liberdade iria servir apenas, não para exprimir o que se pensava mas sim para estacionar em segunda fila, atirar lixo para o chão e para reservas naturais e cometer crimes vários que ficariam sempre sem castigo. Nem que toda essa confusão levaria a que este pobre e triste povo elegesse como maior português de sempre o maior de todos os mentecaptos e corruptos e tolhidos mentais que este país, apesar de tudo, já viu.
Apesar de tudo e tudo e tudo, muitos (onde eu me incluo) continuam a acreditar no 25 de Abril. Claro que já não é como no início, não. Agora é quase como se acredita no pai natal ou num conto de fadas. Como quem acredita que um dia o Peter Pan passará na nossa janela e nos levará para a terra do nunca. Mas há pessoas que são assim, acreditam sempre!

4 comentários:

Nadinha disse...

Parabéns! Como muitas vezes vocês fazem, aqui está um retrato sarcástico mas verdadeiro da sociedade portuguesa. Vou partilhar no Facebook.

Didas disse...

Obrigada :)

Anónimo disse...

Eu tinha trinta e dois!
A desilusão e indignação já vem de há muito!

Zé de Aveiro

Didas disse...

Pois, já são mais uns anitos de paciência...