Por esta altura multiplicam-se em vilas e aldeias dramatizações várias da paixão de Cristo.
A Tia Joaquina empresta os panos da loiça e os lençóis que hão-de servir de traje aos apóstolos.
À volta duma mesa emprestada pelo carpinteiro, com uma toalha branca de linho e richelieu emprestada pela D. Francisca, debaixo duma tenda da venda da fruta decorada à imagem da última ceia de Da Vinci em versão pobre, o povo assiste emocionado a esse momento canibal em que o redentor ofereceu a sua carne e o seu sangue.
Depois vêm os soldados romanos, todos limpinhos e de igual. Os tecidos foram comprados no Paga Pouco da cidade mais próxima, ainda no carnaval, que é quando os há mais vistosos e acetinados.
E é vê-los pelo monte acima até à horta do Tio Manuel, situada na parte mais alta da terra, onde se há-de assistir em êxtase ao momento da cruxificação. À frente o homem da cruz, rodeado das mulheres e castigado pelos soldados. Atrás o povo, de roupa domingueira e guarda-chuva, que nesta altura o tempo é traiçoeiro.
E o Joaquim Augusto, escolhido para Cristo entre todos os rapazes que bebem minis no café à noite e atiram piropos às raparigas. Está tão lindo na sua cabeleira luxuriante de canudos! Quase que nem se nota a barriguinha que já espreita, um pouquinho saliente, mas quase nada! A Tatiana suspira! Foi escolhida para Maria Madalena. E o ar de sofrimento autêntico que ostenta, elogiado por todos (quem diria que tem tanto jeito esta pequena!), não é fingido. É o desespero de não saber se, hoje, aquele Cristo amarrado na cruz, junto das couves e dos feijões do Tio Manuel, vai finalmente olhar para baixo e vê-la!
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