5/04/2006

A VINGANÇA TERRÍVEL DA MENINA ERMELINDA



A Menina Ermelinda era assim chamada apesar da sua estadia neste mundo já ter ultrapassado o meio século e o perímetro da sua cintura já ter ultrapassado a largura de um abraço. Há mulheres que por qualquer misteriosa razão nunca perdem o estatuto de meninas, mas a esse assunto dedicar-nos-emos um dia, quando e se a nossa veia filosófica se tiver aperfeiçoado.
Conheci-a numa lojinha de bairro que pertencia à minha mãe. Uma lojinha que só dava prejuízo em dinheiro mas muito lucro em conhecimento de vidas alheias. Sem maldade – dizia a minha mãe – e eu sabia que sim. Sem maldade, só o suficiente para adoçar a vida.
Naquele dia, a Menina Ermelinda tinha tido aquela revelação terrível que, segundo alguns, a vida reserva sempre às mulheres, apenas a umas mais cedo e mais amiúde do que a outras: O marido tinha uma amante. As desculpas esfarrapadas, o refinamento do perfume e do banho diários, o olhar que se desvia. Era uma certeza.
- O sacana anda a molhar o pincel fora de casa mas ele vai ver!
Ficámos a aguardar novos episódios. O espírito aguçado da Menina Ermelinda assim o prometia. E não se fez esperar. No dia seguinte lá estava ela, exibindo orgulhosa um saquinho de papel. E nem sequer era Carnaval, o Verão ia pleno e por acaso bem violento nesse ano!
-Obriguei-os a virar a loja do avesso e não saí de lá enquanto não encontraram o que eu queria! Que fossem ao armazém, que fossem ao c*ralho! Sou cliente, tinham que ter! - e sacudia triunfante o pacotinho de pós causadores de comichões avassaladoras, cuja venda hoje é proibida por não se conformar com as normas do mercado – ele vai ver!
Contou-nos que o seu plano, eficaz na sua simplicidade, era impregnar a roupa íntima do prevaricador com o pozinho milagroso, convencendo-o assim de que o seu pecaminoso acto lhe teria valido uma doença daquelas vergonhosas que são uma chatice até para contar ao médico. A audiência (ou seja, nós) foi levada ao rubro. Entusiasmou-se e exigiu pormenores diários dos acontecimentos. Assim foi. No dia seguinte e nos que o sucederam, lá estava a Menina Ermelinda na hora marcada sempre com as novidades frescas.
-Anda aflitinho para não se coçar à minha frente, o malandro! E o ar preocupado? Mas é bem feito! Ainda há-de ser pior!
Era diversão garantida! Todas as mulheres da vizinhança partilhavam o segredo e não escondiam o ar trocista quando se cruzavam na rua com o marido da Menina Ermelinda.
Curiosamente não cheguei a saber ou esqueci simplesmente o desfecho da história. Talvez porque o meio era muito mais suculento de pormenores do que o fim.
Só sei que hoje, quando me lembro da Menina Ermelinda e do seu plano maquiavélico para castigo das consentidas libertinagens masculinas, apenas consigo pensar que nós, decididamente, já não somos feitas daquela fibra. Seja porque já não é tão necessário ou porque simplesmente nos recusamos a que o seja.
Tenho a certeza de que se fosse eu a deparar-me com a realidade feia da traição, jamais teria o sangue frio da Menina Ermelinda. Jamais conseguiria urdir, calada, um plano com tão longa duração no tempo. Sei que faria imediatamente uma cena, sei lá, gritava, chorava, desgrenhava-me… em suma, ficava na merda. E nessa altura já tinha mostrado o jogo todo, sem hipótese de vitória.

10 comentários:

pxibek disse...

Bonita história e mt bem contada.
É pena que não nos ocorram castigos tão simples e eficazes, ao invés disso,gritamos e esfolamo-nos até à exaustão e tentamos analisar os porquês, sem resolver grande coisa... pena não haverem mais meninas Ermelindas, era vê-los num coça coça ....

Didas disse...

Lol! Acho que também já não vendem daquele pó!

calózita disse...

ah, c'a menina ermelinda era mulher tesa, carago!

Didas disse...

Pelo menos imaginativa...

Politikus disse...

Uma boa história. Aqui para os meus lados ainda existem muitas"Meninas Ermelindas"

Hélder Gomes disse...

Ó Ti Ermelinda, então isso é lá coisa que se faça?
Um homem fica traumatizado Carago....
Lol!

Nilson Barcelli disse...

A receita da Menina Ermelinda é bem capaz de estar mais vulgarizada do que se pensa.
O que mais se vê por aí são homens a coçá-los. E eu que pensei que eram todos desempregados...

Parabéns pelo vosso blogue. Vocês escrevem bem e de um modo bem divertido, resultando a sua leitura muito agradável.

Anónimo disse...

À menina Ermelinda

Por morar à beira do souto

Damos-lhe o João Barrigudo

Como ele não arranjas outro

Didas disse...

Obrigada a todos! :)

Vou tentar inteirar-me sobre a questão do João Barrigudo. :)

O Turista disse...

Conta lá o final... isso é que era...
:)
Beijos