Quando era pequena, a Didinhas queria ser de letras. Tinha ouvido isso numa conversa de adultos e, apesar de não saber o que significava, a imagem que lhe sugeria o facto de alguém poder ser “de letras” fê-la decidir-se de imediato. A expressão tinha sido utilizada em relação a uma pessoa importante, aquele senhor é “Doutor de Letras”. Doutor de letras!!! Os olhos da Didinhas brilharam logo muito! Pois se ela já conhecia as letras todas do alfabeto, sabia dizê-las por ordem e na ordem inversa sem se enganar, desenhava-as no caderno redondinhas e rebolantes sem sair das linhas (nem para cima nem para baixo) e tinha aprendido tudo isso muito depressa e sem nenhum esforço, estava visto que já podia ser doutora de letras! Isso dava-lhe imenso jeito, pensou ela, já que detestava os problemas de aritmética, que metiam sempre kilos de batatas e os respectivos lavradores e exigiam sucessivas contas de vezes e de dividir. Também detestava decorar os nomes dos rios, das montanhas e das linhas de caminho de ferro. Ser doutora de letras, comprovada que estava a desnecessidade óbvia de aprender mais coisas (letras são letras), ia proporcionar à Didinhas a vida que desejava: Ficar de manhã enroscada na cama com os olhos a abrir devagarinho com o sol a entrar pela janela a pouco e pouco, andar de baloiço a ver as nuvens mais perto e mais longe e saltar quando atingia a altura máxima possível, subir às árvores (menos às figueiras cujos ramos eram fracos e traiçoeiros) e ficar no colo das ramadas a ver o tempo passar...
Mais tarde a Didinhas cresceu, engordou, emagreceu, teve rugas, cabelos brancos, chatices, e descobriu que ser doutora de letras não era nada do que pensava. Mas tem saudades de subir às árvores.
3 comentários:
Ah pois essa coisa dos doutores tem mto k s lhe diga...
Os sonhos desvanecem se à medida k vamos crescendo
história linda... mas doutores de letras há muitos e não merecem entrar na padaria... são tão chatos...
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