Vivo numa cidade pequenina, no entanto consideravelmente maior do que era há cerca de quarenta anos quando a minha família se mudou para cá. Pode dizer-se que atingiu a dimensão em que já não é humanamente possível saber quem é quem duma forma pormenorizada. O que para mim, pessoa de temperamento pouco dado a intimidades indiscriminadas, é bom. Agrada-me poder entrar no café aqui mesmo ao lado de casa e saber que, com excepção dos “cuscos” profissionais, o máximo que alguém vai saber é que devo morar por aqui porque apareço todos os dias. Agrada-me frequentar locais de anonimato garantido daqueles que só existem nas cidades: o hiper-mercado, o centro comercial, os cinemas… Agrada-me só conhecer os meus vizinhos quando os encontro na escada e, fora do nosso habitat, apenas tenho a vaga sensação de já ter visto aquela pessoa algures. É assim que eu sou. Não fria, mas reservada, diria. E selectiva. Mas foi apenas há algum tempo que eu tive a verdadeira consciência de que a cidade cresceu a um ritmo talvez demasiado rápido para que algumas pessoas, habituadas a viver numa quase aldeia com uma avenida e uma estação de comboios ao fundo, o conseguissem acompanhar.
Uma senhora de uns sessenta anos que eu atendi no meu local de trabalho mostrava-se visivelmente incomodada com o facto de não saber quem eu era. Eu, embora com a delicadeza a que a consciência profissional me obriga, fingia ignorar esse facto. Até que ela (que devia estar desde o início à procura das palavras certas na cabeça), desabafou:
- Ai, Aveiro agora tem tanta gente! Dantes é que era bom, não havia ninguém que eu não conhecesse!
- É natural D. ****** - disse eu tentando esboçar um sorriso que saiu amarelo – e continuei a tratar do assunto dela.
- Mas por exemplo a menina, é de cá?
- Sou. Há muitos anos. – e o estúpido do sorriso insistia em já não sair agora, nem amarelo.
- Está a ver o que eu digo? Eu não a conheço, não sei quem é! … - e depois a pergunta fatal – É de que famílias?
Nessa altura contei até dez enquanto mentalmente, apenas mentalmente, saltava para cima da mulher e lhe desfazia completamente o irritante capacete que tinha acabado de fazer na sua cabeleireira conhecida de má qualidade. Logo a seguir, imperturbável, respondi-lhe:
- Não creio que esse seja um elemento importante neste contexto.
Uma senhora de uns sessenta anos que eu atendi no meu local de trabalho mostrava-se visivelmente incomodada com o facto de não saber quem eu era. Eu, embora com a delicadeza a que a consciência profissional me obriga, fingia ignorar esse facto. Até que ela (que devia estar desde o início à procura das palavras certas na cabeça), desabafou:
- Ai, Aveiro agora tem tanta gente! Dantes é que era bom, não havia ninguém que eu não conhecesse!
- É natural D. ****** - disse eu tentando esboçar um sorriso que saiu amarelo – e continuei a tratar do assunto dela.
- Mas por exemplo a menina, é de cá?
- Sou. Há muitos anos. – e o estúpido do sorriso insistia em já não sair agora, nem amarelo.
- Está a ver o que eu digo? Eu não a conheço, não sei quem é! … - e depois a pergunta fatal – É de que famílias?
Nessa altura contei até dez enquanto mentalmente, apenas mentalmente, saltava para cima da mulher e lhe desfazia completamente o irritante capacete que tinha acabado de fazer na sua cabeleireira conhecida de má qualidade. Logo a seguir, imperturbável, respondi-lhe:
- Não creio que esse seja um elemento importante neste contexto.
5 comentários:
aqui no brasil isso é muito comum em cidade pequena. é um querendo saber da vida do outro. aqui onde eu moro, por exemplo, é assim, todo mundo saba de vida de todo mundo. acho que no brasil, de uma forma geral, as pessoas tem essa mentalidade atrazada. daí, quando vão a uma país de 1 mundo, dizem que as pessoas são frias.
Também sou bastante reservada...
Certa vez encontrei num hiper uma pessoa conhecida (mas pouco, só a tinha visto 1 vez)e fiquei a pensar três quinze dias se a havia de cumprimentar ou se havia de fingir que não a vi.
Optei por a cumprimentar mas agora percebo que se calhar fiz mal :(
Mas o que eu vinha aqui perguntar era: a senhora percebeu a tua resposta??
Então deve ser por isso que há aquipessoal que quando vai ao Brasil diz que as pessoas lá são mais "quentes", lol!
Não Saltapocinhas, não percebeu. É que na verdade eu não contei a história até ao fim. Até à parte em que ela acabou por borrar mesmo tudo, partindo do princípio que eu não queria dizer por ser de famílias menores. Aí começou a enrolar uma conversa de merda sobre como é uma porreiraça que fala com gente de todas as classes sociais e às vezes até são melhores os humildes do que os outros. E eu com vontade de lhe curar os problemas sexuais, ou seja, de a mandar para o c*ralho. Foi um desastre! :)))
Ah, e esqueci-me duma coisa: Há pessoas que eu, de facto conheço. E costumo cumprimentar no super-mercado. Esse é um outro departamento. ;)
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