Fui ver este filme mesmo no dia da estreia, na única sala do país em que está em exibição. Como achei que seria difícil arranjar bilhete, fui cedinho. Mas não era preciso. Até podia ter visto o filme deitada em quatro ou cinco cadeiras porque a audiência, ao todo e contando comigo, eram três.
Às vezes faz-me um bocado de confusão o desinteresse total das pessoas pela sua história, por aquilo de que afinal são feitas. Não há nem um bocadinho de curiosidade, é estranho. E não quer dizer que não se continue a curtir a saga do Indiana Jones... é que pensei que podia haver lugar para as duas coisas. Enganei-me.
Mas adiante. Sem, claro, conseguir reproduzir à letra o que foi dito (porque nesse caso seria um gravador), gostei particularmente da senhora, ex-profissional da caridadezinha e apoiante de Salazar contra Humberto Delgado em 1958, que contou com uma ponta de orgulho uma façanha sua de então, que reza mais ou menos assim: O marido arranjou emprego a um pobrezinho. Só que ele tinha o péssimo vício de andar com bebedeiras constantes, o que obviamente prejudicava a família. A mulher dele, farta de lhe aturar o vinho e o mau-feitio, fugiu de casa com os filhos. Felizmente, a nossa heroína tinha carro e "choffeur", o que lhe permitiu ir ter com ela e convencê-la a voltar porque o casamento é sagrado e é para sempre, não se pode acabar com ele só porque o nosso marido anda sempre bêbedo e nos dá porrada e falta de dinheiro. E terminou, feliz, afirmando que "Ela lá voltou e eles acabaram juntos, felizmente. Como deve ser."
Isto fez-me lembrar que este ano (e estamos em Maio) já morreram em Portugal dezassete mulheres vítimas de violência doméstica. E que isto, tal como em 1958, continua a ser culpa da sociedade toda, mesmo que já não haja tias inúteis de carro e choffeur a fazer caridade cristã.
Há uns anos (talvez uns doze) eu chamei a polícia para intervir na casa dum casal vizinho onde estava a acontecer uma cena de violência da qual só não se apercebia quem fosse surdo profundo, e só meses mais tarde me apercebi que tinha ficado "falada" por isso. Foi quando alguém me disse: - "Eles separaram-se, e não penses que as pessoas aqui não sabem que foste tu que telefonaste à polícia!". Boa!
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