Se há coisinha que ninguém pode negar é que o primeiro-ministro tem razão: Os portugueses são piegas. Se estiver um belo dia de sol é certinho que vem por aí chuva. Se já estiver a chover ainda bem porque é bom para as batatas e para os nabos mas já lhe estão a doer os ossos todinhos! Aliás, os ossos dos portugueses detectam a chuva com meses de antecedência. A chuva e a desgraça. Cada português tem uma doença pior que o próximo, a pior espondilose, as artrites mais dolorosas, o reumático mais persistente, as hemorróidas maiores. Todos os médicos de todos os portugueses são testemunhas do seu sofrimento atroz e já todos lhes disseram que nunca tinham visto um quadro clínico como aquele. Um português nunca está feliz, vai andando. Um português nunca vive porque gosta mas porque tem que ser. Já todos os portugueses tiveram desgostos que chegam para uma casa de família, desde perder um guarda-chuva novinho a terem ido ao restaurante e já não haver dobrada que era mesmo o que lhes estava a apetecer. Já todos os portugueses escreveram um poema com a palavra "dor" e a interjeição "Oh!". Os que não escreveram devem ter ascendência estrangeira. Os portugueses inventaram o fado, que é como quem diz cantar a choramingar e fizeram do acto de sentir a falta de alguém ou de alguma coisa um substantivo. E toda a gente sabe que um substantivo tem vida própria ao contrário das outras palavras que são apenas auxiliares. Os portugueses já nascem com o verdete da humidade das lágrimas entranhado em todas as pregas do corpo e da alma. É verdade, o primeiro-ministro tem razão.
Mas o primeiro-ministro não está contente. É um criativo. E quer criar uma nova espécie de piegas. O piegas que não tem emprego. O piegas que não tem comida para os filhos e tem que ir para a fila das instituições buscar uma lata de salsichas e um pacote de massa. O piegas que tem que escolher entre ir ao médico ou jantar. O piegas que manda o filho para a escola para ele almoçar e não o pode mandar depois para a universidade ainda que lhe paguem os propinas. O piegas que tem que se sujeitar a trabalhar à jorna e a recibos verdes. O piegas que trabalha de borla na esperança que que lhe venham a pagar um dia embora não muito. O piegas que tem que emigrar e ir depenar frangos com gripe A em Londres. O piegas a quem cortam a água e a luz e o gás porque não teve dinheiro para pagar a conta. O piegas que tem que entregar os pais ao hospital porque não ganha para um lar decente. O piegas que usa roupa velha oferecida pela paróquia. O piegas que tem muito mais mês do que dinheiro. O piegas que não pode gozer férias nem na praia mais próxima porque o bilhete do autocarro é caro. É esse o novo piegas português.
Isto faz lembrar aqueles tempos politicamente incorrectos em que eu era criança e quando fazíamos uma birra vinha um adulto com a colher de pau e dizia: "Ai choras sem motivo? Então agora já tens motivo!"
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3 comentários:
Texto muito bom. Deixas-me transcrevê-lo num blog "sério" (q.b.) em que participo? O «Persuacção», em http://persuaccao.blogspot.com
Ófe corse!!!
Grazie mille.
http://persuaccao.blogspot.com/2012/02/piegas-sim-mas-piegas-com-motivo-didas.html
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