Sempre vi Espanha como um lugar perigoso e a evitar. A esse facto não serão alheios anos e anos de lavagem cerebral, claro, começando nas lições de história na escola primária, em puro Saraiva style, logo seguidas pelo mito “espanhola” na cabeça dos lusos e atarracados machos dos anos 60 e consequente ódio das lusas e frustadas fêmeas que as apelidavam sem dó nem piedade de “porcas”. Também na minha família houve públicos segredos de abastados membros que guardavam, longe da honesta família, a sua “espanhola badalhoca”. Preconceito assumido, assunto arrumado.
Mesmo depois de adulta, sempre que passava a fronteira sentia-me desconfortável com aquela paixão exagerada e irracional dum povo que quando faz uma procissão a
uma santa é para juntar pelo menos um milhão de pessoas suadas em palmas e olés, que quando faz
uma festa não faz por menos do que uma batalha de toneladas de tomates em sangue a cobrir a cidade, que quando faz uma tourada é para matar o toiro ou em alternativa
morrerem eles, que quando odeia
não brinca em serviço e que quando ama
também não. Ali tudo é ou não é, preto ou branco, ou se faz ou não se faz. E nós, como o irmão mais sossegado, ficamos aqui ao canto a olhar estarrecidos as travessuras do outro que não nos atrevemos a copiar. É mau.
Cada vez que estou em Espanha acho que algo inesperado me vai acontecer. Começo a desenvolver desconfianças fantasiosas (ou não) nas quais entro num
parque de diversões, atiram-me duma altura de 80 metros dentro dum carrinho e azar, vou a um restaurante e mandam-me comer uns pinchos ou umas tapas recheados de moscas, macacos do nariz da empregada e pelos do bigodon do empregado e no fim café com la mierda del leche, sou esmagada por uma horda de sevilhanas gordas a falar em decibéis insuportáveis para o ouvido humano ou tropeço num bêbedo a dormir la siesta que fica revoltado por ter sido acordado. Por isso, até agora, fiz férias em Espanha sem sair do bar e da piscina do hotel a não ser para entrar no autocarro turístico à prova de nativos.
Este ano e com uma
uma companhia diferente, foi a primeira vez que andei nas ruas a pé, sem armadura e sem me recusar completamente a comunicar com os indígenas sem ser em “English, please”, coisa que como é sabido se torna difícil num país onde até Spice Girls é traduzido por Las Chicas Calientes. Pois é. É que o meu partner até espanhol fala que nem um herói e sem recorrer aos tiques Tony Silva, que são os que nós portugueses imaginamos suficientes para falar com aquela gente do lado.
Posto isto, vamos a Valência, cidade onde aterrei pela primeira vez.
Primeira impressão:
Foi má. Apeteceu-me chorar quando vi o fino gosto da decoração do aparthotel,
mas penso que foi fruto da emoção. Depois de umas horas em estado de choque aquilo passou-me e fiz um esforço para me situar.
Primeira conclusão:
Lá como cá, os folhetos turísticos enumeram catedrais, mosteiros, museus, parques, reservas, praias e afins e limitam-se a ignorar a alma da cidade, que é como quem diz a arquitectura civil. Valência é uma cidade onde se passeia de cabeça no ar. Os edifícios bem conservados de fim de século (XIX entenda-se) são aos milhares e, como era característica da altura, tão vaidosos que não conseguimos deixar de olhar para eles.
Alguns (poucos) têm as características sinuosas e insinuantes da Art Nouveau, outros mais ao gosto chic Parisiense, outros ainda delírios ostensivos com influências árabes, góticas ou clássicas. Que me perdoe o pai da desconfortável Gare do Oriente, mas foi isto que mais me fascinou em Valência.
Comida:Posso afirmar que foi na esplanada dum restaurante finório de Valência que comi a comida mais salgada de toda a minha vida, suficiente para provocar um enfarte do miocárdio na população inteira duma pequena cidade, seguramente. Valeu-me com certeza a minha boa forma, só pode.
Mas isto meus amigos, isto...
… é que me andava a estimular a imaginação desde o dia em que cheguei. Por todo o lado se vê gente a beber uma bebida branca chamada horchata ou orxata. Trata-se de um fruto seco macerado em água e açúcar até dele se extrair a bebida, com um ligeiro fundo de sabor a alcaçuz que eu dispenso bem. Para o que lhes havia de dar!
Reconhecimento do terreno:
Chamem-me parola à vontade, mas a verdade é que nunca tinha feito isto, como já disse. Passear a pé numa cidade desconhecida, fora dos tours para turistas. É giro, mas às tantas deparas com qualquer coisa tipo um grafitti com uma mensagem que não entendes e que pode muito bem significar qualquer coisa como: Baza!
E aí tens uma recaída e apetece-te voltar a encontrar aquele grupo de americanos gordos que seguem um guia moreno e baixinho.
Mas também se aprende coisas interessantes, nomeadamente, uma valenciana, além de uma paella, é uma espécie de sevilhana mas sem o bigode nem o cheiro a suor.
Eu sei. A foto está una mierda, pero el hombre de la tienda já estava a olhar para nós com ar desconfiado. Só pôde ser uma tentativa.
Uma ganda moca:O catalão.
É diferente do de Barcelona, dizem, mas a mim soa-me ao mesmo. Parece francês falado por um português muito mau aluno em línguas.
Descoberta:Vamos mudar de carreira. No último dia deixámos as chaves dentro do apartamento juntamente com as nossas malitas, que dava jeito trazer e tal... O manhoso do Pepe que nos alugou a cena, como já tinha o guito do lado dele, não atendeu o telemóvel e o Japinho descobriu assim um desconhecido talento: Abrir portas com um cartão. Depois se algum dia precisarem a gente diz o preço do serviço.
Os meus pontos da gasolina é que já eram.
Rendição:
Ainda não acredito muito bem nisto, mas comprei uma t-shirt espanhola.
Que tal?
Conclusão:Continuo a perguntar a mim mesma como é que estes javardos conseguem ter um PIB superior ao nosso. Mas tirando esse pequeno pormenor de somenos importância, posso dizer que visitei o país mais católico do mundo
mas que até ali…
Deus existe. Tá-se bem.
(Pedimos desculpa aos leitores pelo engano verificado no título deste post que deveria ser: Crónicas de Viagem)