Trata-se de uma espécie que se desenvolve no extremo sudoeste do continente europeu, numa faixa de terreno com aproximadamente 91.985 km², estimando-se neste momento uma existência de cerca de 10 milhões de exemplares.
O Lusitanus distingue-se por características que lhe são extremamente peculiares, algumas delas físicas, embora as mais importantes sejam as de cariz comportamental.
Começaremos por enunciar as características físicas:
NOS MACHOS: Pequeno tufo de pêlos abaixo do nariz, que serve habitualmente para armazenar comida. Estatura baixa, especialmente nos exemplares mais idosos, alimentados a torresmos e sardinha assada. Ventre proeminente, para o qual não se conhece qualquer utilidade prática, habitualmente recolhido na época balnear graças a uma extrema capacidade de suster a respiração.
NAS FÊMEAS: Estatura baixa, especialmente nos exemplares mais velhos. Ancas e traseiro de largura considerável. Glândulas mamárias bastante desenvolvidas em grande parte dos casos. Vários pneus à volta da cintura, quer nos exemplares mais velhos alimentados a torresmo quer nos mais novos, alimentados a chipitos.
Passaremos agora às características comportamentais:
O Lusitanus passa grande parte do seu tempo em lamentações várias, a mais frequente das quais é o atraso do seu país. Apesar disso, nada faz para alterar a situação, uma vez que isso implicaria a falta de pretexto para lamentar-se, sendo esta uma das suas actividades preferidas. O Lusitanus exprime as suas lamentações de formas várias, a mais conhecida das quais é acompanhá-las à guitarra e à viola, mas também é bastante comum compor poemas (mesmo que mal saiba ler e escrever), nos quais inclui, no início de cada verso, a interjeição “Oh!”, como se estivesse permanentemente a chamar por alguém que não lhe dá a mínima. Estima-se que não haja um único Lusitanus que nunca tenha escrito um poema pelo menos. Aliás, a autora deste artigo científico confessa que já escreveu alguns.
O Lusitanus, provavelmente porque sempre fomentou muito mau ambiente com os vizinhos Castelhanus, raça muito aproximada em características, tem medo de se aventurar no seu território, pois acha sempre que lhe vão servir café de merda, sandes com pêlos do peito do empregado e que lhe vão falar aos gritos numa linguagem estranha. Por isso, e como do lado oposto se encontra o Oceano Atlântico, o Lusitanus sente-se preso numa espécie de jaula imaginária e, quando se refere aos outros territórios, usa a expressão “lá fora”, como se ele próprio estivesse dentro de qualquer coisa.
O Lusitanus vive na ilusão de que já foi grande, o que tem a ver com o facto de, algures no tempo, como não podia entrar no território do Castelhanus, ter tido que construir umas barcaças e ir para o lado oposto, o que lhe valeu encontrar, por mero acaso, alguns outros territórios, os quais, como não sabia fazer melhor, explorou durante algum tempo à fartazana até aparecerem outros que lhe passaram facilmente a perna.
O Lusitanus acha que só é levado a sério pelos restantes exemplares se for muito sério e triste, e esforça-se até ao limite por convencer todos os demais que não faz absolutamente nada na vida que lhe proporcione algum prazer. Por isso, se perguntarem a um Lusitanus se teve boas férias ele responderá imediatamente que se fartou de trabalhar, que esteve muito mau tempo, ou que esteve doente. Se lhe perguntarem se está bem de saúde, o Lusitanus tratará imediatamente de convencer o interlocutor que tem as doenças mais graves e que todos os médicos já lho confirmaram. Para tornar o relato mais realista, o Lusitanus chega mesmo a utilizar o discurso directo, como por exemplo: “E eu perguntei, senhor doutor, o que é que eu tenho? E ele respondeu-me, minha senhora, a senhora tem as hemorróidas mais graves que eu já vi em toda a minha carreira médica!”
O Lusitanus tem a convicção profunda de que não pode fazer absolutamente nada na vida sem utilizar o método do desenrascanço. Por esse motivo, é-lhe essencial saber que “conhece alguém”. Conhecer alguém significa que sabe o nome de baptismo de um outro exemplar, e que provavelmente o irá chatear cada vez que precisar de alguma coisa, por mais simples que seja. O Lusitanus é incapaz de ingressar no mundo do trabalho, por exemplo, se não for através do método do “conhecer alguém”, o que implica que haja inúmeros Lusitanus Atrasadus a exercer funções que não faz a mínima ideia de como se exercem.
Por todos os factores acima expostos, há quem jure a pés juntos que, dentro do território ocupado pelo Lusitanos, jamais nascerá um Mozart, um Dali ou um Lumiére, embora provavelmente também nunca chegue a nascer um Hitler, um Dracula ou um Bórgia, o que faz com que tudo se mantenha, ao longo dos séculos, na chamada “paz de Deus”.
Margarida Espantada
Há 1 semana
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