1/17/2010

Badtime Story IV

Com o processo de consultoria quase a terminar, fui chamada pelo consultor que, mais uma vez com o ar mais consternado do mundo, me mostrou os números do projecto e me explicou que a minha empresa não era viável. Ia ter prejuízos brutais e, como tal, era preciso revê-lo em pouquíssimo tempo. Propôs-me que retirasse despesas e aumentasse o capital a investir. Ou seja, uma operação de cosmética.
Na altura eu recusei e disse que, sendo assim, era preferível o projecto ser chumbado do que levar marteladas para compor os resultados pois não estava disposta a abrir uma empresa inviável. Logo no dia seguinte, estava a ser informada que nesse caso seria considerada a minha desistência e como tal teria que pagar à empresa as horas de consultoria, num total de dez mil e tal euros, ou seja, mais de oitenta euros/hora. Tinha que remodelar o projecto e mais nada.
Fui para casa pensar no assunto e retirei imensas despesas, umas mais ou menos supérfluas como publicidade mas outras indispensáveis como uma viatura e pessoal. No entanto, naquela altura do campeonato já não me sentia nada confiante naquele projecto e decici não aumentar o capital a investir. Pelo contrário, diminuí-o. Até porque todos os números que estavam naquele plano eram tão sólidos como manteiga. Os clientes tinha-os decidido eu sozinha, sem qualquer apreciação crítica por parte do consultor, como se fosse possível aparecerem do nada tantos clientes como eu quisesse. Se queriam uma empresa para dar prejuízo, que a abrissem eles.
Apresentei a versão final do projecto e fiz saber que dali não arredava pé. Fizessem o que quisessem, chumbassem-me o plano, paciência. Avançar só avançava com segurança.
A partir daí foi um inferno, com uma pressão constante em cima de mim da parte de toda a gente. Diziam-me que um projecto inviável era culpa minha e era considerado desistência, que tinha que indemnizar a empresa de consultoria por isso, ameaçaram-me com tribunal, estalou o verniz todo, foi uma pouca-vergonha inqualificável. O que se passava na verdade é que, no caso de um plano ser inviável, nem o candidato recebia o incentivo de 5000 euros para a empresa, nem a consultoria recebia o pagamento de elaboração do dito, muito superior ao que recebia o candidato para abrir o negócio por surreal que isso pareça. E isso eles não queriam aceitar nem por nada.
Nesta altura tive, felizmente, o apoio do meu marido, mais habituado do que eu ao mundo dos negócios e como tal menos totó. Foi comigo a uma reunião final onde me ajudou a pôr o gajedo todo com dono.
Pararam de me chatear até hoje pelo menos. Contratei uma advogada que ficou pronta para me defender quando viesse o tal processo em tribunal mas até hoje não foi necessário.
Mais tarde, vim a descobrir que entre a instituição que coordenava todo o projecto e a empresa de consultoria escolhida havia amizades e até casamentos. Era uma panelinha de gente que andava ali para sacar algum e que o sacava desse para onde desse. Descobri que inclusive havia formadores a quem eles pediam que assinassem formações inexistentes para receberem dinheiros dos fundos comunitários.
Das minhas colegas que abriram efectivamente a empresa, todas receberam a miséria do incentivo tarde e a más horas quando já tinham os fornecedores todos à perna e pelo menos a uma a vida correu muito mal pois a empresa também não era a mais viável do mundo. No fundo, as pessoas eram pressionadas a martelar os planos por onde fosse necessário até eles serem aprovados e toda a gente receber. Se no futuro as empresas eram viáveis ou não... que se lixasse.

Só contei esta história para dar uma pequena amostra de como são utilizados neste país os fundos comunitários para incentivar a abertura de empresas e melhorar a economia. Ou seja, não vamos lá. Não vamos mesmo. Está-nos no sangue.

Obrigada pela pachorra.

23 comentários:

Anónimo disse...

Estes quatro posts com esta via sacra pessoal da Didas é das melhores coisas que já li por aqui.

a cada passo reconheço dejá vus próprios e um Estado vergonhoso que alimenta e se alimenta destas coisas.

bravo!


ass: tapornumporco

kuka disse...

Como dizia o meu falecido avô: " E não há quem dê umas cachaporradas nestes fulanos".

António Conceição disse...

Kuka,

O grande problema é que "estes fulanos" a quem recomenda umas cachaporradas são os dez milhões de portugueses, os que fazem estas vigarices e os que as não fazem apenas porque não podem. As excepções, isto é, os portugueses lúcidos, somos só quatro: a Didas, eu, o Vasco Pulido Valente e uma gaja que que mora na Praia da Vitória, na Ilha Terceira.

A.B. disse...

Curta:
Fiz um curso de "contabilidade e gestão" patrocinado pela CEE. No final pediram-me uma quantia. Não tinha cheques. Quando fui pagar não encontrei os formadores. Encontrei o chefe. Quis pagar. O chefe fica branco. Não tinha nada a pagar. Tinha a receber. Os formadores receberam o deles da CEE, abotoaram-se com o que a CEE dava a cada formando, e AINDA pediram para os formandos pagarem. O chefe foi transferido. Os outros ainda lá estão. Badtime mesmo. Quer mais? Tenho mais.

A.B. disse...

Estava no meio dum divórcio litigioso. Tinha projectos cofinanciados em estudo. A esposa tem que assinar, dizem. A esposa está a caminho de ser ex, é estúpido assinar. Tem que haver outra maneira. O director regional, irmão do sócio da futura ex, diz que contactou o director nacional e não há. Contacto o director nacional. Há maneira. Termino com duas cartas na mão; uma assinada pelo director regional a dizer que contactou o director nacional e não há maneira, outra do director nacional a dizer a maneira. jà fora dos prazos. Devia ter feito queixa. Quer mais?

A.B. disse...

Mais projectos. Em impressos próprios que ainda não há porque a INCM não os fez. Vou lá um dia, e outro, e outro. Os impressos têm que ser preenchidos por um engenheiro competente no assunto, é coisa complexa e o prazo está a terminar. Até que num dia, ao abrir da repartição, há finalmente impressos. E quando estou a pagar os ditos chega um parente do chefe com a papelada que supostamente acabou de chegar toda preenchida. Mais?

A.B. disse...

Candidaturas a ajudas da CEE a máquinas pesadas. Entregues. Faltam papéis. Estou certo que não. Mas faltam sempre papéis que já entreguei. Chateio-me. Faço uma lista de todos os papéis que levo, entrego-os e quero a lista confirmada e carimbada, com data.
O processo é reprovado por entrega fora de prazo. Mas tenho o recibo de entrega. Advogado. Ministério. Os projectos dos amigos chegaram ao ministério no prazo. Os outros não. Só eu é que tinha recibo. Torno-me persona non grata. Chega? Há mais.

mfc disse...

Mas que grandecíssimos...
É que não há pachorra para aturar estas negociatas!

Toma um grande abraço.

kuka disse...

Não sr Funes. Está enganado. Existe pelo menos mais uma pessoa. EU!

Didas disse...

Anónimo, a escrita não saiu grande coisa.Mas também não me preocupei com isso. Os factos são deprimentes e preocupam-me. No geral.

Kuka, e não há mesmo.

Funes, não conhecendo essa gaja da Terceira, dou-lhe o benefício da dúvida. Mas estou certa que haverá mais. Que de qualquer modo não são suficientes. Ah, e o Kuka.

Bolas AB, isso é que é nascer p'ra sofrer! Bolas! Na verdade temos que fazer um blog só sobre estas coisas. Dar com a boca no trombone mas com nomes e datas. Que tal?

mfc, não há pachorra. E este rectangulozito não se aguenta com tanta animália.

saltapocinhas disse...

eu não acho que "nos está" no sangue. Está apenas no sangue de alguns.
Infelizmente ainda são muitos, mas acredito que sejam cada vez menos.
Só acho uma falha nesta tua história, embora a compreenda: esta "gente" devia ter nome. Todos escritinhos com letra de forma!

António Conceição disse...

Saltapocinhas,

Não nos está no sangue. Está-nos na carteira. A corrupção e a pobreza formam um pescadinha de rabo na boca. Uma gera a outra.
Quanto ao serem cada vez menos os vigaristas, eu não quero discutir teologia consigo, mas não partilho nada da sua fé.

Didas disse...

Sim Saltapocinhas, também me estás a parecer uma mulher de fé. De demasiada fé. Oxalá tenhas razão.

Luís Maia disse...

E o que fazem os espoliados em Portugal ?

Queixam-se nos blogs, nos cafés ao amigos e fica tudo na mesma

Isso também nos está na massa do sangue.

Essa gente toda está acima da Lei ?

Não há ninguém que os contole ?

Minha cara Didas quero saber o que fez, para denunciar isso tudo que nos contou ?

Se calhar nada, foi isso ?

Para que serve o Provedor da Republica ?

A.B. disse...

Didas, não sou mais vítima que qualquer outro (tenho talvez menos tolerância à incompetência e corrupção), mas não tenho desejo nenhum de voltar a esse sítio, nem num blog. Foram mais de vinte anos a empurrar uma rocha ladeira acima. Custou-me dois divórcios, uma depressão severa, e várias maleitas físicas que nunca mais me deixarão. Depois de um ataque de pânico em que pensei mesmo que ia morrer, o médico que me atendeu nas urgências e que me conhecia bem disse-me para parar. Antes que morresse mesmo. E as coisas ficaram claras.

Didas disse...

Por acaso Luís, nem é meu hábito. Mas esta história foi tanto para esquecer que assim que pude... esqueci.

Aqui como o AB mais coisa menos coisa...

Luís Maia disse...

Desculpa Didas mas todos os ladrões e corruptos adoram os esquecidos

A.B. disse...

Ó Luís Maia, não me parece que a Didas tenha esquecido. Eu não esqueci. Ando com azia desde que escrevi o post. Aquilo que achei que me era devido, obtive quase sempre, mas a preço alto. Por andar sempre em estado de conflito magoei mais as pessoas que me eram queridas do que os que mereciam. Houve gente incompetente despedida por minha causa, e houve quem beneficiasse indirectamente de alguns protestos meus, mas no geral nada mudou. Mudei eu, que se há outra coisa que os ladrões & corruptos apreciam é ver um problema sete palmos abaixo de terra.

Didas disse...

Luís, garanto que eles não gostaram nada de mim. Lixaram-me a cabeça toda mas também comeram o pão que o diabo amassou, que eu não brinco em serviço.

De resto, já estão a fazer o mesmo a outros na boa. É como diz o AB.

privada disse...

Mas Didas se fez o seu plano de negócios perspectivando nº de clientes, custos, fixos, variáveis, porque não foi ao IAPMEI, a maioria das empresas de consultadoria para projectos, principalmente essas tretas dos jornais são verdadeira tangas e tem processos e mais processos em tribunal.
Faz o seu dossier e dirige-se ao IAPMEI; ou então ao Centro PME-Mulher.
De qualquer forma, isto que lhe sucedeu é positivo, porque a qq entidade que vá lhe vão exigir respostas para certas coisas que agora mais o menos já as tem:

“quanto ia pagar a cada empregado e de que forma os ia contratar, quanto ia gastar em publicidade... Na verdade aquilo era um plano mais parecido com um sonho ou uma utopia, e a função do consultor era apenas pôr no papel, com uma linguagem e uma estrutura próprias, os dados que eu própria fornecia sem qualquer base sólida.”

Tem ke acrescentar, os custos de SS e por aí fora, faz isso em excel é rápido e com esta experiencia já pode ir a qq entidade, mais segura de si, ate porke efectuou todas as continhas.
Espero ter ajudado e nao desista, toda a gente começa assim.

Respeitosamente o utopico lirico, mas a falar a sério desta vez

privada disse...

Mas Didas se fez o seu plano de negócios perspectivando nº de clientes, custos, fixos, variáveis, porque não foi ao IAPMEI, a maioria das empresas de consultadoria para projectos, principalmente essas tretas dos jornais são verdadeira tangas e tem processos e mais processos em tribunal.
Faz o seu dossier e dirige-se ao IAPMEI; ou então ao Centro PME-Mulher.
De qualquer forma, isto que lhe sucedeu é positivo, porque a qq entidade que vá lhe vão exigir respostas para certas coisas que agora mais o menos já as tem:

“quanto ia pagar a cada empregado e de que forma os ia contratar, quanto ia gastar em publicidade... Na verdade aquilo era um plano mais parecido com um sonho ou uma utopia, e a função do consultor era apenas pôr no papel, com uma linguagem e uma estrutura próprias, os dados que eu própria fornecia sem qualquer base sólida.”

Tem ke acrescentar, os custos de SS e por aí fora, faz isso em excel é rápido e com esta experiencia já pode ir a qq entidade, mais segura de si, ate porke efectuou todas as continhas.
Espero ter ajudado e nao desista, toda a gente começa assim.

Respeitosamente o utopico lirico, mas a falar a sério desta vez

privada disse...

tao a serio pá k ate me repeti, desculpe. Apague o meu ultimo por favor

Didas disse...

Não faz mal. Isto às vezes acontece entusiasmar-se e mandar os comentários em duplicado. Na verdade eu já perdi a vontade de me meter em negócios, pelo menos por uns tempos.