Fui mãe aos 16 anos. Os que têm a pachorra de ler isto há mais tempo já o sabem porque já mencionei o facto.
No tempo em que eu fui mãe aos 16 anos, apesar da revolução ir de vento em popa, quem entrasse numa farmácia com a nossa idade a aviar-se de qualquer tipo de contraceptivo, ficava conhecido na cidade toda e tinha que passar a enfiar um saco na cabeça.
Será desnecessário explicar aos caríssimos clientes que não foi fácil. Quem a conhecer agora não acredita mas nessa altura, eu tinha uma mãe que dizia que o maior desgosto que podia ter na vida era uma filha dar um beijo na boca ao namorado antes da noite do casamento, por isso digamos que a frente de batalha se estendia por mais quilómetros do que em condições normais. Neste capítulo, ficamos por aqui.
E é claro que praticamente tudo na minha pacata vida foi afectado: os estudos adiados, a licenciatura só veio aos 34 anos, tive que sair da minha casa para ir viver num sítio completamente estranho onde as pessoas não comiam de faca e garfo nem tomavam banho todos os dias, onde não havia água quente canalizada, onde a toda a hora tentavam recuperar-me para a vida honesta (porque naquelo tempo a honestidade de uma mulher só se media entre as pernas), vi a minha barriga a crescer desmesuradamente numa idade em que o máximo que se faz é experimentar o bikini novo e ver se aquilo fica bem ou não e tive que sair à rua assim, com as pessoas a criticar-me, não por estar grávida mas por não disfarçar com roupa justa.
Fui remetida em correio expresso e com selo na testa para um casamento que inevitavelmente acabou um dia mais tarde. Eu fui, auto-anestesiada, e juro que hoje, mesmo que faça um esforço grande, não tenho memória dos convidados, nem do bolo, nem do vestido, nem dos convites, nem de nada. Parece que nem estive lá. Foi assim. Podia ter fumado qualquer coisa ou tomado umas drogas. Como devido ao meu estado não podia, fiz uma viagem extra-corporal e resultou na mesma.
Depois, quando chegou a hora, tive 16 horas seguidas de trabalho de parto com umas parteiras/enfermeiras gordas à minha volta a lembrarem-me em sessão contínua que, se me tivesse portado bem, não estaria a passar por aquilo.
Quando a minha filha finalmente nasceu eu olhei para ela e, fónix, era linda! A sério, podem acreditar! Fogo, mesmo linda! Não tinha a cara vermelha nem a cabeça deformada nem o cabelo agarrado à cabeça... Bolas, parecia um caraças dum anjo! Nunca tinha visto um bebé recém-nascido tão bonito como ela! E claro que não foi por isso, teria acontecido o mesmo de qualquer maneira. Mas caramba, eu aproveitei para me gabar porque acho que mereço! E o que aconteceu foi que, nesse momento, logo, logo, logo nesse momento, eu reconciliei-me ali mesmo com a vida e tive a certeza que tinha valido a pena que era, decididamente, contra o aborto.
Ao longo dos anos vim a ter mais dois filhos, três ao todo. Nenhum voltou a nascer tão bonito como se viesse directamente dos deuses, isso só acontece de vez em quando, mas também não teve mal nenhum.
Continuo a ser contra o aborto até hoje. Por isso, no próximo domingo, decidi que vou votar SIM. Porque o NÃO é ser a favor do aborto selvagem e clandestino. Porque esta merda deste mundo não é perfeito e não vale a pena andarmos aqui todos de bandeirinha na mão a fingir que é.